Crystal foi o primeiro espetáculo de circo sobre o gelo, do Cirque Du Soleil, e o único que se mantém em digressão. Estreou esta quinta-feira em Lisboa, na Altice Arena. Até ao dia 1 de janeiro, vai poder assistir ao circo mais frio do mundo.
Os acrobatas de circo foram, neste espetáculo, desafiados a explorar outro nível de complexidade: a patinagem no gelo. Não será por isso estranho encontrarmos, neste elenco, atletas que, em algum momento da sua vida, se destacaram a nível mundial, quer na patinagem, quer na ginástica. Em conjunto com os artistas mais ligados à arte circense, como malabaristas, equilibristas ou palhaços, juntos constroem um espetáculo de grande originalidade.
Crystal é também o nome da personagem principal. Uma criança desajustada da sua realidade. Um dia ela decide fugir de casa e num momento de evasão, a patinar no gelo, mergulha num mundo imaginário e faz o seu próprio trabalho de autodescoberta.
O espetador acompanha esta viagem, ao longo do espetáculo, num percurso que tem momentos mais contemplativos, muito ligados às atuações de patinagem artística assim como é puxado para picos de adrenalina, quando os artistas desafiam a gravidade, suspensos no ar. Este processo vai fazer Crystal recuperar a noção de que, na verdade, é confiante, curiosa e criativa.
Quando pensamos um espetáculo de circo no gelo, não imaginamos a complexidade tecnológica em que assenta a sua produção. Em Crystal, temos quase uma apresentação de videomapping em simultâneo. A pista de gelo é ela própria uma tela, que ganha vida e cor, à passagem dos artistas, ou ajuda a compor o cenário. Durante a tarde e antes da atuação, o CH Magazine teve a oportunidade de visitar os bastidores e ficou a saber que os próprios fatos dos artistas têm componentes que ativam sensores ligados à iluminação.
“Eles deslizam de forma muito rápida, é muito difícil acompanha-los manualmente” explicou-nos Christine Achampong, a Relações Públicas de Crystal “Por isso as luzes fazem um tracking automático das pessoas”.
Ficámos também a saber que todo o cenário é controlado através de uma consola. Não requer braços humanos, apenas a perspicácia de quem conhece o momento exato de pressionar o botão e fazer a magia acontecer.
As entradas e saídas “do palco” fazem-se por uma espécie de bloco gigante de gelo, também ele muito versátil, que tem diversos recantos que dá continuidade à história, ou elementos que impulsionam os artistas, como as rampas de patinagem. Mais uma vez, é uma tela, onde nasce e se desenvolve a cor que dá vida ao branco.
Falámos com Robin Johnstone, que assegura o papel da protagonista. Natural do Canadá, contou-nos que patina no gelo desde muito pequena e fez a sua carreira na patinagem artística. Quando soube que o Cirque do Soleil ia fazer um espetáculo no gelo achou que esta era a sua grande oportunidade. Integrou esta produção desde o primeiro momento, em 2017 e tem viajado pelo mundo, desde então. Partilha este seu entusiasmo com o seu marido, Andy Buchanan com quem atua em Crystal. “Conhecer tantos países, pessoas diferentes, provar a comida, ter contacto com outras culturas” são os primeiros aspetos positivos que Robin salienta desta sua atividade. Apesar de os dias serem longos, entre treinos e atuações, sentem-se muito agradecidos de poderem fazer o que realmente gostam, profissionalmente, mas também de viajar pelo mundo.
Sobre a empresa que integra não hesita em admitir que sente que está a trabalhar na “mais icónica empresa de espetáculos do mundo”. Destaca o lado criativo das produções, desde as coreografias, ao guarda-roupa, passando pela maquilhagem.
São os próprios artistas que tratam da sua imagem. Robin contou-nos que durante os quatro meses de preparação, que tiveram em Montreal antes de saírem em digressão, foram acompanhados por profissionais que os ensinaram a fazer a sua própria maquilhagem. Nos primeiros tempos, os maquilhadores faziam metade do rosto e eles faziam o resto, até ganharem autonomia. A patinadora diz-nos que no início chegou a demorar duas horas até ficar pronta. Agora já o consegue fazer entre 45 minutos a uma hora. O processo é “longo e demorado”, diz-nos.
A segurança é um dos aspetos mais importantes desta atividade e a ela está associado todo o treino regular que mantêm. “Para chegar a este nível, é preciso progredir de forma muito lenta e temos de nos sentir seguros”. Um dos aspetos que mais a fascina é o facto de poder continuar a desenvolver as suas capacidades “Quando o espetáculo é montado, deixam-no respirar. Assim, apesar da estrutura ser sempre a mesma, continuamos a fazer ensaios regulares, de forma a melhorar. Às vezes temos também a entrada de novos artistas, que trazem consigo novos números e há toda a forma como integramos essas novidades. Portanto há sempre essa possibilidade de fazer o espetáculo crescer e ganhar outras dimensões”.
Nick Hutchinson é australiano. Fez o seu percurso na ginástica acrobática, e profissionalmente integrou dois espetáculos residentes: a companhia Dragon no Dubai, e posteriormente, estava a atuar na China quando o mundo foi surpreendido pela pandemia. Entrou em Crystal, quando o espetáculo voltou à estrada, em maio deste ano.
É acrobata base e assume que o maior desafio tem sido esta adaptação ao gelo “ainda estou a aprender a patinar!”. Alguns elementos, que necessitam de maior estabilidade, usam sapatos com crampons. “Mesmo assim é um grande desafio, quando estamos a lançar e a receber pessoas…” explica.
Das coisas que mais aprecia, ao integrar este elenco é “a liberdade. Comparado com a ginástica que tinha muitas regras, o circo é uma performance, há espaço para criar”. Destacou ainda a possibilidade de viajar, que juntou ao seu trabalho. “É muito bom estar numa nova cidade todas as semana! Aqui tivemos dois dias livres, num deles visitámos a cidade e ontem fomos a Sintra. Eu tento sair o mais possível, nos tempos que temos livres para conhecer os locais onde passamos”.
Crystal vai ficar em cena, em Lisboa, até ao dia 1 de janeiro. É imperdível para quem aprecia patinagem artística, ou mesmo a arte de deslizar sobre rodas. A cena final da primeira parte, com os patinadores a cruzar rampas é fascinante.
Quem aprecia um espetáculo bem coreografado também não sai desiludido. Como é habitual, há uma banda residente a tocar musica ao vivo, que anima, diverte mas também surpreende. Alguém alguma vez viu um piano deslizar sobre o gelo? Trazem ainda ao palco um violino, um acordeão, um clarinete e uma guitarra elétrica.
Outra curiosidade desta produção é a adaptação de conhecidos temas como “Chandelier” de Sia, Sinnerman de Nina Simone, “Halo” de Lotte Kestner ou mesmo “Beautiful Day” dos U2 no encerramento.
As acrobacias aéreas mantém o nível de exigência a que assistimos noutros espetáculos o que faz com que Crystal seja o espetáculo a não perder nesta quadra.
Os bilhetes encontram-se à venda nos locais habituais e custam entre 89 euros (plateia VIP) e 40 euros (balcão 2).