Damaia À Soombra De Moonspell

Reportagem de Diana Silva (fotografia) e João Barroso (texto)

Moonspell

Ao longo dos últimos meses, os Moonspell têm dado a conhecer o seu lado lunar, através da tour Soombra, uma série de 10 concertos, em solo lusitano e em formato acústico, que teve início em fevereiro, no Convento de São Francisco, em Coimbra, e que terminará no final de maio, no Centro de Arte, em Ovar.

Esta data, porém, era especial: sendo naturais da Brandoa, freguesia onde deram os primeiros passos, há mais de 30 anos, tocar no Cineteatro D. João V, na Damaia, era como jogar em casa. Talvez por isso, esta foi a única sala a receber dois concertos.

Pouco passava das 21h15, quando o baterista Hugo Ribeiro subiu ao palco. Seguir-se-iam, um a um, os restantes elementos do conjunto nacional, incluindo os convidados especiais Magnetic Strings, que se ocupariam do violino e do violoncelo.

A atmosfera era solene e o cenário fazia lembrar uma noite de lua cheia…

A nossa viagem musical começou ao som de ‘HandMadeGod’, tema de abertura do álbum Sin/Pecado, se excluirmos “Slow Down”, que funciona como uma espécie de prólogo ou introdução ao disco. Sin/Pecado, aliás, seria o registo mais revisitado da noite: editado em janeiro de 1998 e amadurecido ao longo de 25 anos, tem sido alvo de destaque, nos últimos concertos da banda, sejam eles acústicos ou full power. Envelheceu bem. Voltando a “HandMadeGod”, o nosso ponto de partida, a música seria temperada com as primeiras palavras (faladas) de Fernando Ribeiro oferecidas à audiência. “Boa noite, Damaia! Bem-vindos ao feitiço da lua!”.

Seguir-se-ia uma incursão pelo The Antidote, obra lançada em 2003, em conjunto com um livro de José Luís Peixoto, O Antídoto, inspirado, precisamente, nas letras das canções que compunham o álbum. Ou vice-versa. A verdade é que, na ocasião, as duas formas artísticas se fundiram sob a mesma história e conceito. ‘The Southern Deathstyle’ foi a música escolhida e teve direito às primeiras palmas da plateia, sendo que estas funcionaram como mais um instrumento, soando ao ritmo das notas que ecoavam pela sala. Entretanto, o solo de bateria é aproveitado para que fosse apresentada a secção rítmica dos Moonspell: Hugo Ribeiro (bateria e percussão) e Aires Pereira (baixo).

“Cineteatro D. João V. Largo da Igreja. Damaia. Amadora…”, assim se situa Fernando Ribeiro. “Nem sempre tocamos na nossa cidade”, reflete. Diz que esta não é uma faceta nova do grupo, relembrando os concertos do São Jorge, em 2010, por ocasião do Halloween, e pergunta quantos dos presentes são da Brandoa, antes de se referir a Moonspell como “uma banda que conta histórias há 32 anos”.

É hora de mergulharmos no Wolfheart, disco de 1995 que fala de “coisas do folclore lusitano e europeu”. Escuta-se “Wolfshade (A Werewolf Masquerade)”, uma das malhas mais queridas pelo público, e o tema perfeito para uma noite de Soombra.

“Nem sempre tocamos todas as canções que queremos.”, admite Fernando Ribeiro. “O repertório é muito e não há tempo ou espaço para que possamos fazê-lo.”, explica. Na sequência, são chamadas ao palco Eduarda Soeiro (vocalista de Glasya) e Cristiana Félix e é resgatada, do fundo do baú, ‘White Skies’, a primeira de duas músicas do Omega White, registo de 2012 que funciona como o lado solar do seu disco-irmão, o Alpha Noir.

“Hoje, estou com imensa pronúncia da Amadora!”, continua Fernando Ribeiro, antes de contar, como se não soubéssemos, que uma das suas principais fontes de inspiração, e da própria banda, é a literatura. Está dado o mote para a malha que se segue, baseada na obra do romancista Bret Easton Ellis e um dos temas que podemos encontrar no álbum The Butterfly Effect, de 1999, disco inspirado pela tensão pré-milenar e pela teoria do efeito borboleta, que, pegando nas palavras de Fernando Pessoa, “primeiro, estranha-se e, depois, entranha-se”. Ouve-se “Disappear Here”.

É hora de ser chamado à colação Pedro Paixão, apresentado como “o Diretor Musical dos Moonspell“, já que, para além de se ocupar das teclas e da guitarra, é responsável pelos arranjos musicais que nos são oferecidos, em conjunto com o lead guitar Ricardo Amorim.

Continuamos ao som de “Breathe (Until We Are no More)”, retirado do Extinct (editado em 2015), cuja versão acústica nos coloca numa espécie de hipnose e inclui um belíssimo solo de violino e violoncelo, cortesia dos elementos de Magnetic Strings que têm acompanhado os Moonspell, ao longo desta digressão.

Tocar no seu concelho natal, à porta de casa, faz com que as recordações sejam muitas, pelo que Fernando Ribeiro nos vai presenteando com algumas pérolas, como a história do dia em passaram “um cheque ao Zorro”, o dono da loja de “artigos e decorações” onde compraram as alcatifas que jazem no estúdio da banda. Depois, regresso ao Sin/Pecado, com “The Hanged Man”, não sem que, antes, nos fosse pedido para acender as luzes dos telemóveis, “ainda que os isqueiros fossem mais old school.”. Continuámos neste disco, por mais alguns minutos, ao som de ‘2nd Skin’, música que “fala sobre a doença da pele” e que nos ofereceu o primeiro gutural da noite.

Segundo a banda, a tour Soombra surgiu de forma a contrariar a ideia de que o Metal não tem lugar nos teatros, sendo que os Moonspell pretendem levar este espetáculo para lá das nossas fronteiras. Também fomos informados, entretanto, de que este concerto estaria a ser gravado, à semelhança dos restantes que têm composto a digressão, de modo a que seja lançado um DVD, em breve.

É apresentado o guitarrista Ricardo Amorim, enquanto, como que por magia, saca da cartola mais um dos seus inebriantes solos, e ficamos a saber que “Scorpion Flower”, a canção que se segue, nasceu de um passeio ocasional por Lisboa: na altura, Fernando Ribeiro caminhava pela cidade e viu qualquer coisa esmagada, no chão. Inicialmente, parecia-lhe ser uma flor, contudo, mais tarde, percebeu tratar-se de um vulgar brinde, com o símbolo do escorpião desenhado. Flor Escorpião. “Scorpion Flower”. É assim que nasce a música…

Chegamos ao álbum Memorial, de 2006, para escutar “Luna”, “um tema simples, sobre uma simples rapariga”, cuja inclusão no disco foi da responsabilidade do produtor Waldemar Sorychta, já que a banda se encontrava cética em relação a esse passo. Avaliando pela forma como o público cantou em uníssono, em boa hora foi tomada essa decisão.

Segue-se “Mute”, um dos mais bonitos momentos do concerto, e escuta-se o típico grito, vindo da plateia: “Alma Mater!”. “Calma.”, pede Fernando Ribeiro. “Ainda não é hora.”. Não é. É hora de ‘White Omega’ e nova referência a Omega White, obra que, segundo o frontman dos Moonspell, talvez pudesse ter sido lançada de forma independente, ao invés de ter mantido o cordão umbilical com o seu lado lunar, o já referido Alpha Noir.

Estamos perto do final e entra em cena Ricardo Gordo, “o homem mais nervoso da Amadora”, e a sua guitarra portuguesa. Agora, sim, chega “Alma Mater” e um regresso ao Wolfheart, de 1995. “Os hinos devem cantar-se de pé” e é de pé que a audiência canta ‘Alma Mater’. Depois da apoteose, apresentam-se os elementos dos Magnetic Strings que comandam violino e violoncelo, Fernando Sá e Valter Freitas, respetivamente, e somos convidados a ficar na companhia dos Ricardos, o Gordo (“de nome e não de fisionomia”) e “o magro” (o Amorim): prepararam algo especial para a Amadora…

Aos primeiros acordes das guitarras, somos transportados para o imaginário de Carlos Paredes. É Fado. É Portugal… E acabamos por desaguar em “Chorai Lusitânia (Epilogus/Incantatam Maresia’)”, um original de 1994, altura em que foi lançado com o EP Under the Moonspell. Depois, ainda dentro de um registo que apela à alma lusitana, segue-se uma versão de “Os Senhores da Guerra”, de Madredeus.

Antes do epílogo, um agradecimento à equipa técnica e à Amadora, sem esquecer os convidados Magnetic Strings, Cristiana Félix, Eduarda Soeiro e Ricardo Gordo, e é convocada uma “bateria própria”, para o vocalista Fernando Ribeiro. Terminaríamos com outro “hino”: “Full Moon Madness”.

Não era noite de Lua Cheia, que o quarto era crescente, mas dificilmente alguém terá ficado imune ao seu feitiço. E um misterioso meteorito haveria de rasgar os céus da vetusta Lusitânia, pouco depois do ponto final. Coincidência?

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