David Fonseca em nome próprio num recinto como o Coliseu não é um simples concerto, é um espectáculo multimédia e de interação com os fãs.
Não houve Mariachi ou fato de astronauta, nem vimos o cantor numa plataforma giratória ou numa cama, mas houve um pijama, uma convidada, e manteve-se chuva de confettis, covers, cuidado cénico, energia, e mais de duas horas de música do já vasto reportório do cantautor português.
Foi perante um Coliseu dos Recreios cheio que David subiu ao palco na noite de sábado, recebido com entusiasmo para celebrar os dez anos da sua carreira a solo. Luzes de todas as cores bem à imagem de “Seasons”, uma bola de espelhos, duas esferas onde eram projectadas imagens, e dois ecrãs laterais onde apenas se leu “David Fonseca” durante o concerto.
“Seasons: Rising” e “Seasons: Falling” foram lançados em março e setembro do ano passado, respectivamente, mas em palco fizeram-se ouvir temas de todos os discos e o músico não deixou de agradecer aos fãs o apoio demonstrado ao longo da última década. Confessou, inclusive, que quando inicialmente se aventurou numa carreira a solo, não passava de uma experiência, como as que “os miúdos fazem nas aulas de ciências”, onde “pomos os fósforos e (…) e ficamos todos contentes”.
Com Ricardo Fiel na guitarra, Sérgio Nascimento na bateria, Paulo Pereira nas teclas e Nuno Simões no baixo, David Fonseca levou-nos por entre o seu reportório pop rock alternativo de batidas contagiantes e alguns refrões orelhudos, com apontamentos de new wave electrizante ou baladas mais melancólicas, e com direito a homenagens a Nine Inch Nails ou David Bowie.
Arrancando com “Under The Willow” e “Armageddon” de “Seasons: Rising”, prosseguiu com o single que deu o nome ao seu segundo álbum, “Our Hearts Will Beat As One”. Um dos singles mais tocados nas rádios, “A Cry 4 Love”, veio antes da balada “Who Are U?”, que preparou terreno para o incontornável “Someone That Cannot Love”, acompanhado em coro pelos presentes.
Voltando a “Seasons” com “It Means I Love You”, seguiu-se a efusiva “Silent Void”, “The Beating of The Drums”, e a contagiante “Kiss Me, Oh Kiss Me”, passando a “All That I Wanted” com a dedicatória a “todos os presentes aqui que ainda tenham um coração secreto”.
A dada altura, relembrando o diálogo com um amigo que se interrogara sobre como era ser músico e se era verdade que atiravam certas coisas para o palco, David confessou: “Já me atiraram com muita coisa em palco nesta vida… Tomates, ovos, uma meia uma vez – só uma, nem par tinha”.
O dueto “It Shall Pass” com Luísa Sobral, fez-se ouvir acompanhado da imagem projectada da cantora e de aquilo a que David chamou “uma ligação à casa”, para que a voz dela se juntasse à dele apesar de esta, supostamente, não poder estar presente. No entanto, Luísa apareceu em palco pouco depois para cantar o tema.
Não querendo trazer a sua única convidada ao Coliseu para cantar uma só música e desaparecer de seguida por entre o nevoeiro, David revelou que lhe havia proposto um desafio: “Ela foi muito gentil, eu disse se ela se importava que eu fizesse uma versão de uma canção dela”. Os elogios foram recíprocos, com a cantora a afirmar “O David é dos músicos mais generosos que eu conheço”.
Assim, após alguma “mobília” para aproximar o palco do local de ensaios – “É exactamente como nós ensaiamos, é exactamente esta a forma, nós não ensaiamos num local tão sofisticado como o Coliseu, é mais ou menos assim, e nós quisemos reproduzir um bocadinho o nosso local de ensaios” -, os dois fizeram uma versão do single “Not There Yet” do disco de estreia de Luísa Sobral.
Tivemos então direito a um pouco da badaladíssima “We Are Young” da banda Fun., em estilo meio improvisado – “Tonight, yeah we are one. …And young!”, cantou o músico -, fazendo a ponte para uma versão acústica de “What Life Is For”.
A enérgica “This Raging Light”, acompanhada de palmas, coro (ambos uma constante no concerto), e saltos, veio antes da inconfundível “Superstars II”, à qual o próprio disse nem precisar de fazer introdução, seguida de outro afamado single, “Stop 4 A Minute”.
Por entre conversa com os fãs e histórias insólitas, ouvimos ecos de “Heroes” de David Bowie. “Este é aquele momento em que aproveito para recuperar o fôlego dos últimos 25 minutos. E pensar na minha vida… Pensem na vossa também…”
A história protagonista da noite foi a de como lhe ligavam a horas indecentes, ouvindo-se apenas a respiração, alguém a “recitar a lista telefónica”, ou diversas canções. Para este momento, o músico apresentou-se sozinho ao piano no seu pijama, à frente da cortina, falando para a plateia e tocando notas soltas. “Ouço estes sons à noite… Sons de quem não sabe tocar um piano.”
Um suposto fã, stalker incógnito, alegadamente telefonara-lhe às cinco e meia da manhã para tocar “I Just Called To Say I Love You” de Stevie Wonder. “O mistério manteve-se durante semanas, com todas as canções, que eu não vou poder tocar aqui todas, mas a pessoa que está aqui que me telefona sabe que canções são… Algumas bem arriscadas, devo dizer.” Continuou a história, “Mas no outro dia, o telefone tocou”, interrompido por um fã que clamou “Fui eu”, ao que retorquiu, “Não estou certo que tenhas sido tu”.
Terminado o momento da saga telefónica, David embarcou numa excelente versão de “Hurt” de Nine Inch Nails, acompanhado apenas de teclas pelas próprias mãos.
Em palco revelou-se uma grande coluna colorida composta por inúmeros balões, e seguiram-se “At Your Door”, “It Feels Like Something” e “I Would Have Gone and Loved You Anyway”, antes de um dos momentos mais aguardados da noite.
Uma das características que distingue David Fonseca é a relação que cultiva com os fãs e a presença que mantém na internet. Reflexo disso, é a votação que levou a cabo na sua página de Facebook para eleger o cover que iria tocar ao vivo nos Coliseus. “Eu deixei que a democracia decidisse”.
De entre as várias opções que representavam canções da sua adolescência, “aquelas que berrava nos carros, discotecas e duches de então”, foi escolhida “Lithium” de Nirvana, com mais de 800 votos. “Há uma condição, vocês têm que cantar esta canção comigo”.
Dedicando o momento ao falecido Kurt Cobain – “Kurt, onde quer que estejas, esta é mesmo p’ra ti” – e equipando-se de “aquela coisa sem a qual eu não vou tocar esta canção porque tenho demasiada vergonha” – uma camisa de flanela -, David depositou todas as suas forças na recriação do tema do infame álbum “Nevermind”, acompanhado da euforia do público.
Mantendo a energia no auge, “The 80s” foi uma das músicas mais puladas e dançadas da noite.
David fez referência aos momentos ao vivo em que algumas pessoas “berram” coisas como “amo-te” (reproduzindo em vozeirão), “como se me quisessem matar”. Naturalmente, mais tarde uma fã aproveitou a deixa e gritou “Amo-te!”, ao que este respondeu, “Eu também te amo muito, nas tens de perceber que não nos conhecemos assim tão bem”.
Regressando a uma sonoridade mais baladeira, foi a vez de “U Know Who I Am”, e para encerrar o concerto a banda reproduziu “What Life is For”, agora em versão eléctrica e com o cantor a lançar-se com um salto da plataforma mais elevada do palco e a fazer girar o microfone no ar. Mas antes da despedida, ainda houve tempo para citar Elvis ao entoar “I Can’t Help Falling in Love With You”.
E assim foi mais uma apresentação do universo colorido de David Fonseca no Coliseu dos Recreios, talvez com menos aparato cénico do que nas duas datas anteriores, mas sempre com muita musicalidade, energia, e contacto com os fãs. Ágil e comunicativo, David Fonseca é um entertainer capaz de agarrar o público durante duas horas de espectáculo, procurando reinventar-se em palco e passando de canções suaves para temas electrizantes, conseguindo ao mesmo tempo versatilidade e coerência.
Artista multifacetado e músico quase por acaso, o rapaz natural de Leiria que começou a gravar em 1998 com Silence 4, mostra um amor inerente à música, assumindo ídolos que vai homenageando, e ao longo destes anos construíu toda uma identidade muito própria com a qual por sua vez conquistou um largo número de fãs.
Para acompanhar as memórias da noite, alguns dos presentes levaram exemplares de confetti vermelhos, pedaços de fita prateada, ou um dos balões que haviam adornado o palco. Esperamos que hajam mais espectáculos de David Fonseca no Coliseu, nos quais voltaremos seguramente a marcar presença.