A noite de sábado, 27 de abril, ficou marcada pelo regresso de Erlend Øye a solo lusitano: o norueguês atuou no Lisboa ao Vivo, no âmbito da tour de apresentação do seu novo projeto com o conjunto siciliano La Comitiva.
O relógio batia as 21h00 e esperava-se a subida ao palco de Tainá, artista escolhida para fazer a primeira parte do espetáculo. Contudo, quem surgiu em cena foi o próprio Erlend Øye. “Vou tocar daqui a pouco”, disse, “mas fiz questão de vos apresentar a Tainá!”. Afinal, foi em Lisboa que o músico norueguês descobriu a cantora brasileira: juntos, naquela noite de verão, acabaram a cantar e tocar “Corcovado”, na rua da Bica.
“Boa noite a todos!”, saúda-nos Tainá. “Esta música fala de como o corpo é demasiado pequeno para a imensidão que somos”, explica. Soam os primeiros acordes de “Caminho”, tema de abertura do registo de estreia da cantora, de 2019, como que para nos mostrar o trilho que iríamos percorrer nos próximos 45 minutos.
Entretanto, apresenta Manel Ferreira, o guitarrista que a acompanha, seguindo-se a música que dá nome ao próximo álbum, Âmbar, a editar em junho. É a primeira vez que a interpreta ao vivo, mas parece já tê-lo feito inúmeras vezes, tal a suavidade com que as notas musicais, tocadas e cantadas, vão inundando a sala principal do espaço lisboeta.
Voltamos a 2019, para ouvir “Sonhos” e como estes nos perseguem, “em algum momento da nossa vida”. Uma correlação perfeita com “Caminhante”, mais um tema novo, que nos diz que “o importante é pensar que está tudo bem”. “Voa” é “dedicada aos amigos de Portugal” e “Apuana” é um tributo às tribos indígenas Tupi. Aliás, o nome Tainá deriva do indígena “tainã”. Estrela.
Perto do final, Manel Ferreira pega na guitarra portuguesa e ouve-se Amália, na voz de Tainá. “Não Sei Porque te Foste Embora” faz parte do disco Com que Voz – Uma Canção para Amália, obra de homenagem a Amália Rodrigues, lançada em dezembro de 2019. O epílogo chegaria com “Menina da Praia”, o mais recente single da jovem brasileira.
Erlend Øye e La Comitiva
Alguns minutos antes da hora marcada, sobem ao palco Erlend Øye e La Comitiva. Na verdade, o músico e a sua “comitiva” são um só: “We are La Comitiva!”, anuncia Øye. Depois explica-nos como tudo começou, há 6 anos.
Natural de Bergen, na Noruega, cidade que se tornaria célebre por ser o berço de sonoridades mais obscuras, Erlend Øye, conhecido pelo seu trabalho nas bandas Kings of Convenience e The Whitest Boys Alive, nunca escondeu a sua natureza nómada, tanto na forma como conduziu a sua vida, como nos diferentes registos musicais que foi abraçando. Foi esse o catalisador para que decidisse mudar-se para Siracusa, na Sicília, local onde começou a promover verdadeiras tertúlias entre artistas de todo o mundo, entre os quais se encontravam Stefano Ortisi e Marco Castello, ambos naturais da cidade do matemático, físico e filósofo grego Arquimedes, e Luigi Orofino, nado em Enna, localidade situada no centro da ilha italiana.
“Esta noite, através dos nossos instrumentos, iremos viajar por histórias e músicas. Começaremos como sempre fazemos.” “Fence me in”, do registo que Erlend Øye lançou a solo em 2014, o Legao.
Seguem-se “Peng Pong”, do mesmo álbum, e o novo single, “Upside Down”, canção que integrará o disco que o grupo editará em maio e que motivou Marco a ensaiar algumas palavras em português, para nos ensinar a parte da letra que deveríamos cantar: “Upside down… Upside down… I’m gonna turn your life upside down!”.
Øye afirma ser fantástico estar em Lisboa e conta que ele e Luigi passaram por uma loja, horas antes, para ver cavaquinhos. E foi com cavaquinhos, temperados com as palmas da plateia, no ritmo certo, que a banda nos ofereceu o instrumental “Altiplano”.
Entretanto, entra em cena o primeiro convidado da noite, o multi-instrumentista francês Romain Bly, e escuta-se “Price”. Na sequência, mais dois convidados sobem ao palco, Kobi Arditi e Maaike van der Linde, que se ocupam dos sopros, e somos convocados a testemunhar o “Matrimonio di Ruggiero”.
Antes de embarcarmos em “Paradiso”, Erlend Øye, fala-nos apaixonadamente de Siracusa, onde vivem, e de quão bonita é. Conta-nos que, no primeiro verão que passou na cidade, em 2012, todas as outras pessoas saíram para outros locais. Roma, Milão… Ficou com as praias só para si. O seu “paraíso privado”.
Entramos, agora, num momento especial. Há dias, a banda tocou em Bolonha, na região de Emilia-Romagna, e foi convidada para uma casa nobre, embora vazia e sem qualquer mobília. Nesse espaço, criaram a música que tocaram no serão lisboeta. Não nos recordamos de ter ouvido o seu nome e a faixa era integralmente instrumental, mas a melodia e a coreografia rapidamente conquistaram a plateia.
Continuamos ao som de “Mornings and Afternoons” e “For the Time Being”, um dos temas mais belos e aplaudidos da noite, e desaguamos em duas canções compostas, individualmente, por dois dos artistas que se encontravam em palco: Marco Castello escreveu “Beddu”, cuja letra está em siciliano, e Luigi Orofino ofereceu-nos “Amsterdam”, sendo que ambas as obras foram devidamente acompanhadas pelas palminhas da plateia e pelo som que transpirava dos instrumentos dos restantes companheiros de jornada.
Chega a hora de “Lockdown Blues”, o que nos remete para uma era difícil, mas que, ironicamente, teve o condão de despertar a criatividade de muita gente, um pouco por todo o mundo. O tempo sobrava. “Don’t need no shoes… Dress whatever way you please… No caffè. No ballet. On the menu, lockdown blues.”. A música foi escrita durante a pandemia, explica-nos Øye, cada um na sua casa, em frente a um ecrã de computador, e esta tour é a primeira oportunidade de tocá-la ao vivo.
Regressamos ao novo álbum e ouvimos “You and Only You”, mas no instante seguinte já nos encontramos em Acapulco, cidade mexicana onde, há um ano, Erlend Øye repousava junto ao mar, rodeado de amigos. “Tudo parecia bem, mas, de repente, um problema…”, recordou. “Spider”. O espetáculo com que somos presenteados é uma viagem sem fim e rapidamente saltamos da América Central para Roma, para assistir à graduação de Lucia, com “La Prima Estate”, momento que incluiu a sala inteira de cócoras e culminou num salto coletivo. Agora, também nós éramos La Comitiva.
O passeio parecia ter terminado.
Ouvem-se agradecimentos e apresentam-se os músicos. Sai-se do palco. Mas o público não está satisfeito com este final e pede mais. Erlend Øye, La Comitiva, Romain, Kobi e Maaike reaparecem e fazem um último parágrafo, antes da conclusão.
“Vamos tocar uma com um nome português”, anuncia Øye. Escuta-se “Garota”. Depois, sim, o ponto final, mas não um qualquer!
Não é incomum ver a banda terminar as suas atuações entre a audiência, numa espécie de jam session mais intimista. Desta vez, porém, fizeram-no na rua: “vamos lá para fora!”. E foi à porta do Lisboa ao Vivo que chegámos ao destino, ao som de “Valdivia”. Se estava frio, não demos por ele. Aquele momento trouxe-nos calor.