As novas datas marcadas para janeiro, pretendiam apenas dar oportunidade àqueles que não conseguiram ir ao Misty Fest, de ver Jorge Palma revisitar o Bairro do Amor. O resultado foi nova avalanche de público e uma noite memorável para quem assistiu à genialidade de Palma que, entre “Frágil” e “Like a Rolling Stone” de Bob Dylan, construiu um grande espetáculo de comemoração dos 25 anos de edição de um dos trabalhos mais marcantes da história da música portuguesa.
Já passava da hora marcada quando finalmente se conseguiu que todos os ilustres presentes ocupassem os seus lugares. Jorge Palma entrou no palco, abriu os braços e cumprimentou todos com um “Boa Noite”. A resposta, foi de tal forma efusiva, que mais parecia o final de um grande concerto. Sentou-se ao piano e começou com “Frágil”, tema ao qual regressou mais à frente já com toda a banda em palco. São seis os músicos que o acompanham nesta digressão: o filho, Vicente Palma, na guitarra e piano, Gabriel Gomes no acordeão, Rúben da Luz no trompete, Nuno Lucas no baixo, Joao Correia na bateria e Pedro Vidal na guitarra eletrica. Acrescentam uns arranjos interessantes a alguns temas, como foi o caso do trompete em “Dá-me Lume”.
Não foi uma daquelas noites em que esteve especialmente dado à conversa com o público. Intervalos curtos entre canções e algumas palavras, quase impercetíveis a evocar um ou outro aspeto. O contraste é total quando as notas musicais se fazem ouvir e o registo vocal assume uma clareza e definição quase sobrenatural. Ainda que o Bairro do Amor cantado hoje carregue todos os excessos de um percurso de vida, é o inconfundível Jorge Palma que temos no palco a dar uma ordem e entoação única às palavras.
Jogo de luz notável, que tanto destaca as silhuetas dos músicos, em jeito de rock band, ou cria cenários mais intimistas com teias coloridas. Excelente efeito em “Estrela do Mar”, quando Jorge Palma volta a ficar sozinho no palco, como que envolto numa concha azul. “Minha Senhora da Solidão”, “Só”, “Bairro do Amor”, “Página em Branco”, “Espécie de Vampiro” ou “Quarteto da Corda” foram alguns dos temas que interpretou, alternando entre o piano e a guitarra. Silêncio de respeito absoluto nos momentos mais calmos, com os refrões a surgir em sussurro. Coro de vozes e palmas, naqueles que convidam à festa. “Imperdoável”, “Deixa-me Rir”, “Cara de Anjo Mau” e “Portugal, Portugal” antes de sair por uns breves instantes.
Segue-se um longo encore. A banda ocupa os seus lugares primeiro e só alguns minutos depois surge um Palma diferente do habitual, em mangas de camisa, chapéu de coco na cabeça, a tocar gaita de beiços e pés rápidos a surpreender nuns passos de sapateado. Interpreta “Mr. Bojangles”, um original de Sammy Davis Jr. Vão-lhe atirando piropos “és liiiindo!” e pedidos de músicas aos quais ele responde com ironia “e ficamos aqui até às 8 da manhã…”. Ainda que “Encosta-te a mim” seja muito posterior ao Bairro do Amor, é sempre um conforto para os ouvidos recebê-lo. Seguiu-se uma emocionante “Canção de Lisboa” só entre piano e acordeão e um coro gigante para uma quase despedida com “A gente vai continuar” e “Tempo dos Assassinos”.
Muitos são os que já se encaminham para a porta, mas os presentes pedem mais um regresso. Sorriso de enfant terrible e uma confissão a sair entre dentes “Isto dá-me muito gozo pá!”. Volta a trocar o português pela língua inglesa e despede-se com um dos temas que há-de ter ajudado à construção deste Bairro do Amor: “Like a Rolling Stone” de Bob Dylan.
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
Reportagem de Tânia Fernandes e António Silva