José Cid não desiludiu na primeira apresentação ao vivo de 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte. O concerto mostrou um artista ainda em forma nas lides do rock sinfónico com a recriação da obra de culto de 1978.
Apesar do estilo grandioso e da reconhecida complexidade musical, interpretada por Cid e outros nomes sonantes música portuguesa (Mike Sergeant na guitarra, Zé Nabo no baixo, Ramón Galarza na bateria), o álbum foi um fracasso comercial e permaneceu relativamente ignorado até à década de 90. Em 1994, a obra foi reedita por uma editora norte americana da especialidade, potenciando, desde então, o reconhecimento da crítica (com menção pontual em listagens internacionais dos melhores álbuns do género) e o seguimento de culto por parte dos amantes deste estilo musical.
De acordo com aviso prévio, o concerto deixa de lado “10.000 anos (…)” na fase inicial. José Cid vem determinado a, mais que apresentar uma obra específica, percorrer o seu percurso de rock sinfónico. Assim, a primeira música tocada é “Vida (Sons do Quotidiano)”, EP de uma só faixa lançado em 1977. Dedicado ao produtor Mário Martins, Cid interpreta o tema com voz sonante (ainda que aquém do nível exigente que o próprio artista imprimiu ao tema na década de 70). A entrada das vozes secundárias (Chico Martins e a cantora Carmo Godinho), por seu lado, serve de premonição a um acompanhamento vocal amorfo que viria a confirmar-se durante todo o concerto.
De seguida, Cid recua ainda mais no tempo, apresentando Onde, Quando, Como e Porquê Cantamos Pessoas Vivas, álbum lançado em 1975 (ainda com o Quarteto 1111) e que constituiu a primeira incursão de Cid no rock progressivo. As progressões de teclas, repartidas entre Cid e o maestro Augusto Vintém (neste e em temas seguintes), surtem um efeito satisfatório mas sem a agilidade de outros tempos. Finalizado o tema, meia casa brinda os artistas com ovação de pé.
De volta à máquina do tempo, Cid regressa ao futuro: os quatro temas que se seguem são parte integrante de um novo álbum de rock sinfónico que Cid promete editar em 2015 (Vozes do Além), inspirado na poesia de Sophia de Mello Breyner e Natália Correia. São assim apresentadas duas baladas de arranjo elaborado (mas que não deixam de remeter para a sonoridade mais corrente do artista) e dois temas de rock mais eléctrico, nas quais o guitarrista Chico Martins assume as despesas do improviso.
Uma vez concluído o prólogo, Cid prepara o público para o momento mais aguardado com um pedido de desculpas aos temas tocados previamente (“tocámos (…) porque tinha que ser”). Era tempo de 10.000 Anos Depois Entre Vénus E Marte. O primeiro tema (“O Último Dia Na Terra”), é introduzido com a capa do álbum na tela do palco levando a multidão ao delírio. Pelo meio, a tela muda para uma animação que acompanha a viagem da obra nos temas seguintes (imagens do planeta Terra, explosões, naves espaciais, extraterrestres, cenários alienígenas, viagens no espaço, planeta Terra novamente, Adão e Eva…).
Em “O Caos”, o segundo e mais orelhudo tema do álbum, algumas passagens de teclados tentam (com maior ou menor sucesso) acompanhar o ritmo apressado, ficando o protagonismo instrumental novamente a cargo da guitarra eléctrica. Ao mesmo tempo, fica a sensação de que os exercícios mais recorrentes das teclas são executados pelo teclista secundário Augusto Vintém. “Fuga Para o Espaço” introduz a melodia trauteada que serve de tema recorrente ao apoio do público, com a plateia a ser incentivada ao acompanhamento vocal.
Na chegada ao novo planeta, contada no tema “Mellotron, o planeta fantástico”, José Pedro Soares (Pepe) apresenta as linhas de baixo de Zé Nabo num registo que não deixaria o autor desapontado (tanto quanto foi possível discernir, já que a acústica concentrava os esforços nos médios e agudos). Cid pede palmas à plateia, mas as sucessivas alterações de ritmo confundem os espectadores e não permitem que estas perdurem tanto quanto em temas mais populares do artista.
A faixa “10.000 anos depois entre Venus e Marte”, cuja entrada repartida entre as vozes secundárias constitui o momento mais dissonante da noite, relembra que, mesmo com a idade, o dono do palco (e da voz) é José Cid. Algures durante música, é apresentada na tela a letra do tema, que o público adopta facilmente em jeito de karaoke. O final do tema é agraciado com ovação do pé pelo público.
“A Partir Do Zero” relembra José Cid no auge do seu domínio dos teclados: a entrada do som sintetizado (cuja velocidade nem sempre favorece a actual destreza do autor) é fulgurante e Cid empenha-se na sua execução adoptando uma pose mais determinada sobre o instrumento. 10.000 anos (…) é concluído com o tema “Memos”, seguido de enorme ovação e novo coro do público (surpreendentemente ensaiado) da linha vocal de “A Fuga no Espaço”.
Perante o chamamento, José Cid regressaria para um encore. Após referências a próximos concertos no Porto e Paredes de Coura (“Parece que o ’10 mil anos’ depois não tem nível para o Rock in Rio… nem para o palco secundário”), é repetido o tema “O Caos”. O concerto termina de forma emotiva com novo “karaoke colectivo” do tema “10.000 anos depois entre Venus e Marte”. Ainda que com desempenhos mais esforçados em alguns momentos, a homenagem à obra de culto encantou os presentes.