Reportagem de António Silva e Tânia Fernandes
[dropcap]É[/dropcap]Lucius Cornelius Bocchus quem nos recebe à entrada da sua propriedade “Salvé Patrícios, é com enorme júbilo que me cabe a honra de ser o vosso anfitrião nesta festa dedicada à nossa deusa Flora!”. Hospitaleiro? Também, mas como bom romano, Lucius fez os cálculos e encontra em cada um dos visitantes um potencial consumidor do garum, o óleo de peixe que produz nesta fábrica romana de salga de peixe e que exporta para todo o Império Romano.
O Mercado Romano de Tróia abriu ontem as portas e vai permanecer com toda a sua animação até amanhã. Uma boa oportunidade para visitar estas ruínas romanas e ter uma verdadeira aula de história com a ajuda das representações que vão tendo lugar um pouco por todo o recinto.
Assistimos ao cortejo e ao culto em nome da Deusa Flora, durante o qual se cantou, dançou e lançou pétalas de flores ao ar. Na cerimónia original soltavam-se animais, devolvendo-os à natureza. Para os romanos, Flora era uma Força da Natureza, a deusa que desencadeava a floração das árvores na primavera e uma bênção também à fertilidade. Florifertum é o nome da encenação do culto a que assistimos, no qual o sacerdote renova o pacto ancestral feito com Júpiter, Neptuno e Mercúrio. Os visitantes são convidados a juntar as vozes entoando “In laudes florum ludis!”. A música ouve-se um pouco por todo o espaço, ajudando a recriar o ambiente.
As termas são outra parte importante deste núcleo. Ana Patrícia Magalhães uma das arqueólogas que tem estudado a área explica a todos os visitantes, com a ajuda dos figurantes, o momento do banho de Lucius Cornelius Bocchus e do Centúrio. Ir às termas era não só um um ato de higiene, mas principalmente social. Os romanos tinham aqui um espaço de convívio onde eram fechados muitos negócios.
O percurso habitual começava nos vestiários onde, com a ajuda dos escravos os senhores despojavam-se das vestes, tinham uma sala ampla onde poderiam fazer algum exercício ou massagem com óleos essenciais de forma a preparar melhor o corpo para o banho.
O ritual do banho passava depois por três áreas: água quente, depois passagem para uma sala de vapores onde o corpo era arrefecido, seguindo-se a entrada na piscina de água fria. “As piscinas eram, originalmente revestidas de mármore, o qual não chegou aos dias de hoje, dada a grande reutilização deste material” explica-nos a arqueóloga.
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Outro momento a não perder é a prova de garum. Conta-nos Ana Patrícia Magalhães que este molho era famoso à época e exportado para toda a Europa. “Era o molho de peixe mais requisitado do Império! O peixe ficava em sal, durante 3 a 5 meses, ao sol, até ficar líquido. Depois era embalado nas ânforas do Sado para ser vendido. Era um condimento essencial na gastronomia romana. Resistiu até aos dias de hoje um livro de culinária em que 86% das receitas usavam este molho” explica-nos. Uma aproximação ao original, muito mais leve, pois abundantemente diluído em azeite encontra-se disponível para prova. Intenso, tanto no cheiro e paladar, é o melhor que conseguimos descrever.
Tróia, ou Alcalá como era conhecida à época era uma região de paz, ainda assim, encontramos uma réplica de um acampamento militar, pois nunca se sabia ao certo se não tentariam alguma vez apropriar-se da fonte de produção do precioso garum.
No recinto vai encontrar ainda um mercado muito inspirado em coisas que se faziam na época, com produtos que ainda hoje se vendem: mel das abelhas das ruínas de Tróia, pão, bolinhos, frutos secos, cogumelos, produtos em couro, bijuteria e adornos, sabonetes e cremes feitos com produtos naturais, brinquedos e coroas de flores, entre outros. Não deixe de passar na banca da vidente. O oráculo dos deuses lê-se aqui em conchas, búzios, mas também em vísceras!
Há uma área com atividades para as crianças, com jogos tradicionais como a corrida de sacos, a hora do conto e reprodução de jogos romanos como o jogo do moinho (semelhante ao atual 3 em linha) ou o jogo tabulo (com movimentações parecidas com as do gamão). O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas tem um espaço para pintura de máscaras e coroas. Uma pequena quinta pedagógica prende a atenção dos pequenos com as cabrinhas, coelhos, galinhas e pintos. Possibilidade também, para os mais pequenos, de dar um passeio de burro.
Indicações úteis:
A forma mais fácil de chegar às ruínas de Troia é fazer a travessia de barco a partir de Setúbal, pelo ferry ou catamaran, pois tanto no Cais como na Marina há autocarros gratuitos a fazer a ligação ao Mercado Romano. Não há multibanco no recinto.
Mercado Romano nas Ruínas de Tróia tem lugar entre os dias 1 e 3 de maio, das 11h00 às 20h00. A entrada tem o custo de 3 euros por dia e é gratuita para menores de 5 anos.