Desde cedo é perceptível que o Grande Auditório do CCB não vai encher. Nem sequer vai ficar perto disso. Sentado numa das primeiras filas da segunda plateia, vou vendo as pessoas ser conduzidas pelos funcionários que tiveram uma noite pouco movimentada. Sinto um quase nervoso miudinho, na expectativa que mais espectadores surjam e que, pelo menos, a sala fique composta.
Quando as badaladas para chamar os mais atrasados se ouvem, talvez metade dos lugares da primeira plateia estivessem ocupados. O palco é de um minimalismo que parece solidário com o resto desta sala: apenas se vislumbram, ao centro, duas guitarras, uma de cada lado, no meio das quais um amplificador rectangular, assente sobre um dos lados mais estreitos.
As luzes apagam-se e Jack Broadbent surge do lado esquerdo. Camisa branca, calças pretas e garrafa de Corona na mão, avança à beira do palco e faz uma vénia teatral ao público. Senta-se no amplificador, deita a guitarra que está à sua direita em cima das suas pernas, como um Pai Natal que senta a criança ao seu colo. Só que neste caso é para tocar slide e não para lhe perguntar se se portou bem no ano que termina. Ajeita o tripé do microfone e faz estalidos com a boca como se testasse o som, que o público, divertido, imita. E, de repente, inicia uma sucessão de frases carregadas de blues até mais não, até rebentar, frases essas que, aos poucos, vão desembocar no riff da primeira música da noite: “On the Road Again”.
Deseja as boas vindas do público a mais uma sexta-feira. E, de imediato, inteligentemente, aborda o elefante da sala para, assim, o poder ignorar: refere que a sala não está cheia mas que, desta forma, temos o espaço todo só para nós e podemos pôr os pés para cima. E o que segue, de certa forma, é isso mesmo: ficar à vontade. O guitarrista britânico age como se estivesse num espaço mais intimista como um bar.
Reage e estimula os comentários que chovem do público que se mostrou altamente interventivo. Diz piadas, gags que se nota fazerem parte de um show que já repetiu vezes sem conta. É blasé e irónico, com um humor auto-depreciativo aqui e ali. Vai alternando entre a guitarra slide – a tal da sua direita – e outra guitarra que usa de forma digamos mais ortodoxa – a da sua esquerda. Alterna também entre um conjunto de covers, algumas das quais são já uma imagem de marca, e alguns temas originais.
No final do original “Don’t Be Lonesome”, pergunta ao público se está tudo bem e brinca com o facto de só ele ter algo de beber. Aproveita para pedir à organização para trazer mais trezentas Coronas para todos nós. Do público sugerem-lhe Super Bock, marca de cerveja que diz também apreciar. Para dizer a verdade, no fundo, aprecia todas, acrescenta. “Drinking is bad for you”. Dois temas à frente, após uma cover do mítico Lead Belly, é presenteado com uma nova garrafa de Corona, trazida por um dos roadies que tenta fazer a tarefa impossível de entrar em palco discretamente.
Um dos pontos altos é um tema da banda americana Little Feat chamado “Willing” que, segundo Broadbent, é “fucking beautiful”. Talvez por isso o dedique ao seu pai, ele que também é guitarrista e irá juntar-se ao filho em Nashville, no Tennessee, dentro de um mês, para o auxiliar na gravação de um novo álbum que diz ter quase pronto.
Outro é um tema que tem uma história engraçada por detrás. “Funny one”, nas palavras do guitarrista. Segundo explica, um dia foi-lhe dito que tinha um “heroin body” – logo ele que, confessa, havia anos que não consumia a droga – por um homem de baixa estatura. Tão baixa estatura que nem sequer teve coragem para partir para vias de facto porque achou que seria demasiado desigual. Ao invés, optou por lhe dedicar um tema que lhe tocou na semana seguinte, com o título “Small Man Syndrome”. O homem de baixa estatura – que ainda por cima vendia seguros! – não terá apreciado a prenda mas parece que os amigos se riram. Das covers, não posso deixar de destacar ainda o Moondance de Morrison e o grande Wind Cries Mary do também grande Jimmy Hendrix.
Chegamos agora à recta final do concerto. Broadbent brinca uma vez mais com o público, olha para o relógio e diz que já não tem muito tempo, que só dá para mais dois temas. Aos pedidos de um qualquer espectador para que toque três, diz que sim, com certeza, faz parte do espectáculo criar esse suspense. E então surge o “Hit the Road Jack”, que já havia sido solicitado por outro espectador. Uma forma de terminar o set em grande, o guitarrista levanta-se repentinamente, agradece e sai de palco com a garrafa de cerveja na mão para regressar pouco depois, atravessando o palco e saindo do lado oposto, caminhando casualmente como se descesse a rua. Depois sim regressa para tocar, promete-nos um primeiro tema calmo – um original chamado “Too Late” – e termina com um tema mais intenso – “Black Magic Woman” de Carlos Santana.