Final de tarde quente, nas imediações do Lisboa ao Vivo, onde Chelas se deita à sombra dos Olivais, sendo que a noite ficaria marcada pelo regresso de Phil Campbell and the Bastard Sons a território nacional, um par de anos depois da sua visita anterior.
O projeto nasceu após o falecimento de Ian Fraser Kilmister, eternizado como Lemmy, e o consequente terminus de Motörhead, uma das maiores bandas da história da música, em geral, e do rock, em particular. Corria o ano de 2016 quando Phil Campbell, homem que passara mais de 30 anos aos comandos da guitarra do conjunto britânico, decidiu recrutar os seus três filhos, Dane, Todd e Tyla, e o vocalista Joel Peters, transformando-os nos seus bastardos e criando uma formação onde pudesse continuar a dar azo à sua criatividade e fazer o que sempre fez: rock’n’roll.
Antes, porém, seriam os Junkbreed a abrir as hostilidades, formação que deu os primeiros passos em 2020 e cujos elementos contam com vários anos de palco e de estúdio, aos comandos de algumas das mais conhecidas bandas do underground nacional.
A atuação dos portugueses dividiu-se entre o disco ‘Music for Cool Kids’, editado em 2021, e o EP ‘Cheap Composure’, lançado em outubro do ano passado. Se o primeiro registo serviu de carta de apresentação, o mais recente continua a demonstrar um espírito punk/rock, a filosofia “do it yourself” e a vontade de criar música sem amarras e longe dos padrões impostos atualmente. Foi isso que se viu, na meia-hora seguinte.
O pontapé de saída foi dado com ‘Dipsomaniac’, do ‘Cheap Composure’, e ‘Lust is Normal’ fechou o set. Pelo meio, ‘Right Here and Now’, ‘Wild Risk’ e ‘Being the Rats’ (do Music for the Cool Kids), nova passagem pelo mais recente trabalho, com ‘Automatic Drills’ e ‘Casual Anger’, para que voltássemos a desaguar no álbum de estreia dos Junkbreed, embalados por ‘The Thing’ e terminando com a referida ‘Lust is Normal’. Uma performance que incendiou as hostes e não deixou ninguém indiferente.
Consumidas as entradas, era hora do prato principal.
“We are Phil Campbell and The Bastard Sons and we are gonna play some old school rock’n’roll!”. Foi desta forma que o vocalista Joel Peters se dirigiu à plateia, dando o mote para o que seguiria.
‘We’re the Bastards’ faz parte do segundo longa-duração da banda, editado em 2020, e é a primeira malha a ecoar pela sala. Uma espécie de cartão de visita dos galeses, para além de uma ode às qualidades terapêuticas da música: “music is medicine, music is therapy”, canta-se.
“This one is for you”, anuncia Peters, imediatamente antes de soar o riff inicial de ‘Freak Show’, tema durante o qual são pedidos os habituais “fists in the air”. Entretanto, pausa para uma confissão: “it’s nice to be back!”. Esta é a segunda passagem do conjunto britânico por Portugal, depois de terem marcado presença no (na altura) VOA Heavy Rock Fest, em Julho de 2022, sendo que Phil Campbell já o fizera meia-dúzia de vezes mais, enquanto guitarrista de Motörhead.
E foi com Motörhead que seguimos, ao som de ‘Going to Brazil’, a primeira de várias covers que se ouviriam, ao longo da noite. “I can see some Motörhead fans! This is an old song…”.
A casa não está cheia, mas Joel Peters age como se estivéssemos numa enorme arena, onde não coubesse nem mais uma pessoa, transpirando paixão pelo que faz e respeito pelo público. Fala do novo álbum, Kings of the Asylum (2023), e entrega-se a ‘Schizophrenia’, uma das canções que integra o disco. Seguem-se ‘High Rule’ e mais uma de Motörhead, ‘Born to Raise Hell’. Durante a música, Peters divide a plateia em duas “equipas”, desafiando-as a gritar mais alto que a outra: “born to raise hell!”, escuta-se, alternadamente, à esquerda e à direita, com genuíno orgulho. Afinal, o conceito de Inferno depende do ponto de vista e, se é lá que Lemmy Kilmister está, também nós almejamos alcançá-lo!
A próxima sai do Old Lions Still Roar, registo que Phil Campbell lançou em 2019 e que conta com a participação de vários nomes incontornáveis da história do Hard-Rock e do Heavy Metal, como Dee Snider (Twisted Sister), Ben Ward (Orange Goblin) e Whitfield Crane (Ugly Kid Joe), mas são as notas de ‘Straight Up’, gravada com o icónico Rob Halford (Judas Priest), que inundam o Lisboa ao Vivo. Aproveitando a deixa, Joel Peters fala das lendas do Punk e ouve-se ‘God Save the Queen’, malha dos londrinos Sex Pistols.
“Who wants a slow song?”, questiona o vocalista. A audiência não parece muito recetiva, mas Peters riposta, apontando para Phil Campbell: “if he wants a slow song, we’re gonna play a slow song!”. E ficamos com ‘Dark Days’, um tema mais lento e introspetivo que, no final das contas, conquistou o público presente e permitiu recuperar energias para o que ainda estava por vir.
Na sequência, o frontman dirige-se a Tyla Campbell e pede que o insultemos: “Fuck you, Tyla!”. Enquanto o fazemos, o baixista toca os acordes iniciais de uma das mais populares canções da história do rock: ‘Ace of Spades’, de Motörhead! “You know I’m born to lose and gambling’s for fools, but that’s the way I like it, baby! I don’t want to live forever!”, canta-se, em uníssono. No final, Joel Peters aponta para o céu, como que homenageando Mr. Ian Fraser Kilmister, ele que, em dezembro de 2015, decidiu ocupar o seu lugar na galeria dos imortais.
Depois, voltamos ao presente e ao mais recente trabalho da banda, ao som de ‘Strike the Match’ e ‘Maniac’, sendo que esta última é dedicada a todos aqueles que, de alguma forma, nos “chatearam”, ao longo do dia: “Hey you, stop that, acting like a maniac (…). F-U-C-K, wanna say fuck you!”.
Para o encore, estavam guardadas mais três músicas gravadas por Motörhead: ‘Killed by Death’ (1984), ‘Heroes’ (original de David Bowie, de 1977) e, claro, ‘Overkill’ (1979) a malha com que, ao longo de tantas décadas, a formação liderada por Lemmy Kilmister encerrou os seus concertos.
No final, Phil Campbell agradeceu o apoio dos presentes e apresentou os seus bastardos, a banda que o acompanha, nesta nova fase da sua carreira: “on the guitar, Todd Campbell; on the bass guitar, Tyla Campbell; on the drums, Dane Campbell; on the vocals Joel Peters…and I am Phil fucking Campbell!”.
Numa noite em que reinou o Rock’n’Roll, temperado pelos magníficos solos do sexagenário Phil Campbell e pela energia contagiante de Joel Peters, faltou mais gente no Lisboa ao Vivo. Mas não faltou Lemmy…