“Uma ascensão meteórica”, assim se pode caracterizar a carreira de Samuel Úria. Desde os primeiros tempos do movimento Flor Caveira no início do milénio, até passar a apresentar-se em nome próprio. De professor de educação visual, a músico a tempo inteiro. De Tondela a Lisboa. Até tornar-se num dos melhores escritores de canções, cheias de jogos de linguagem e rimas inesperadas.
Foi um músico divertido e muito seguro de si mesmo, que se apresentou na noite de sábado para uma estreia absoluta no pequeno auditório do CCB(eat). Desengane-se quem pense que o concerto se centrou em “O grande medo do pequeno mundo”, álbum que lançou no ano passado. Tratou-se, isso sim, de uma oportunidade para revisitar todo o seu catálogo.
A noite começou em tom intimista com «Nem lhe tocava», pontuada pela voz e guitarra acústica de Úria e por um piano. Logo a seguir, já com a sua banda completa, o trovador de patilhas vestiu a pele de Elvis Presley, ensaiando o característico movimento de pernas do King of Rock and Roll, enquanto recordava a casa cor-de-rosa da «Rua da Fonte Nova, 171».
Estava dado o mote para o que uma plateia bem composta (mas que, em noite de final da Liga dos Campeões, não chegou a esgotar) veria ao longo de hora e meia: uma constante mudança de ritmos e diversidade de sons que influenciaram Samuel Úria e que hoje o sintetizam. Canções escritas em torno da condição humana e vestidas de rock, gospel, blues e até mesmo de folk.
Foi particularmente feliz a presença de um grupo coral, que aconchegou o palco e conferiu maior dimensão ao espetáculo, tendo encaixando perfeitamente na sequência «Água de colónia da Babilónia», «O deserto», «Espalha-Brasas» e «Lamentação». Também por essa altura, foi impossível não pensar em Sufjan Stevens, enquanto o Úria tocava suavemente o seu banjo.
Já depois de ter ficado sozinho em palco a tocar «Para ninguém» (tema gravado para a compilação “Voz & Guitarra 2”), foi tempo para o cantautor puxar dos galões com “Lenço enxuto”, recentemente premiada como canção do ano de 2013 pela Sociedade Portuguesa de Autores e que, num tom irónico e crítico, nos lembra que um homem só não chora porque não consegue… Em «Pequeno mundo» sobressaíram os riffs explosivos da guitarra de Ben Monteiro, sempre competente apesar de já não tocar guitarra há dois anos. Monteiro forma com Alexandre Teixeira o duo eletrónico D’Alva que se prepara para editar o álbum de estreia, vivamente recomendado por Samuel Úria.
Perante o aplauso da maioria da plateia, Samuel revelaria ainda a sua costela benfiquista momentos antes de avançar em toada de tango com «Não Arrastes O Meu Caixão», que fez parte da banda sonora de uma novela portuguesa. De seguida, uma incursão ao passado mais longínquo para recuperar «Rock desastre», que faz parte de um disco («A Descondecoração de Samuel Úria») que escreveu e gravou em sua casa, num só dia, em 2009.
«Batuta e batota» constituiu outro momento bonito, acompanhado pelo violino de Miriam Macaia, em avançado estado de gravidez. A marcha da despedida foi feita ao som de «Império», novamente com a forte presença do coro. Perante uma assistência rendida, Samuel Úria ainda regressaria para dois encores. Altura certa para recuar a «Em Bruto», EP lançado em 2008, donde resgatou «Tigre Dentes de Sabre» e «Barbarella e Barba Rala». Esta última num dueto com Márcia, deixando assim de fora do alinhamento “Eu Seguro”, balada que recentemente gravaram em conjunto. De fora ficaria igualmente «Armelim de Jesus» e «Triunvirato», que também são dos temas mais orelhudos do último álbum de Samuel Úria. Um luxo por parte de um letrista brilhante, que se afirmou com uma voz que chega a parecer sussurro e que, após esta noite, nos deixa na expetativa de novas aventuras verbais.