Num concerto onde a maioria dos temas incidiram no seu último álbum Leva-me aos Fados, Ana Moura começou o concerto enfrentando não o público mas um dos seus instrumentistas, Custódio Castelo, na guitarra portuguesa, o instrumento de timbre (in)tenso inseparável do fado.
Do início ao fim, Ana Moura dialogou com a guitarra, muitas vezes suplicando que a mesma quebrasse o silêncio e a ajudasse a percorrer o caminho sinuoso das melodias da canção nacional.
Cantou fado tradicional, fado musicado, explicou as diferenças e ainda teve tempo para cantar “No Expectations”, tema que interpretou à moda da mouraria, com a melancólica resignação do fado, em homenagem aos Rolling Stones.
Nas cordas, Ana Moura estava bem acompanhada: Custódio Castelo na produção musical e guitarra portuguesa, Filipe Larsen na guitarra baixo (com um grande solo em “No Expectations”), José Elmiro Nunes na guitarra acústica e José Manuel Neto também na guitarra portuguesa: criaram todas as condições para que Ana Moura pudesse cantar os seus fados, fossem eles baladas ou não, sempre com as contramelodias típicas da guitarra portuguesa.
O seu corpo, envolto num vestido justo e elegante, mostrou também que o fado é sensualidade, e Ana Moura não teve receio de o demonstrar, ondulando as suas linhas esbeltas ao som da guitarra, qual odalisca, como uma serpente.
Foi uma noite de música que expôs todas as nuances vocais de Ana Moura: a sua voz exuberante de contralto, quente e rouca (ao ponto de, quando a ouvimos falar, pensarmos se estará “bem da voz”…), pode ser enevoada e hesitante ou clara e afiada, levando-nos até uma insistência trémula que sugere as origens árabes do fado.
Para quem quis ouvir, Ana Moura ofereceu, num só concerto e numa noite de Verão fantástica ao luar, sinais de esperança, dicas de sensualidade, passagens de melancolia, reflexos de determinação e momentos de introspecção.
No público, era ver os portugueses orgulhosos por mais uma voz jovem dar continuidade a uma coisa que é nossa e que, de tão mágica e intensa que é, põe os olhos dos estrangeiros a brilhar de emoção.
O espectáculo terminou com a “A Casa da Mariquinhas”, com o público a cantar e a aplaudir, como mandam as regras de uma boa casa de fados.
Reportagem (texto e fotos) de Paulo Sopa