Nº 36: Para Que Vão Servir Os Números Na Cultura?
Com a generalização do uso das redes sociais, o quase desaparecimento dos críticos culturais e a fragilidade económica dos meios de comunicação social tradicionais, os números adquiriram um protagonismo inabalável na medição de um sucesso ou fracasso de um evento cultural ou de lazer. O número de visualizações no Youtube ou nos diretos do Facebook ganhou uma centralidade na cobertura jornalística ou no balanço político de um festival de música, megaexposição ou feira do livro. Perderam relevância as perguntas: que género musical se vai ouvir? Quem são os escritores que vão participar? Que obras de arte se vão descobrir naquela Mostra? Em troca ficávamos a conhecer o número de bilhetes vendidos numa iniciativa ou as marcas que patrocinaram um determinado festival de música.
Como repararam coloquei todas estas questões no passado, porque já é público que durante os próximos meses, pelo menos até surgir a vacina que previna o vírus, nada ficará como dantes, o que implica a continuação das restrições que vão inevitavelmente condicionar os eventos de massas.
No período que já é apelidado de “desconfinamento”, os produtores, artistas e público vão ter de necessariamente repensar a sua forma de exposição pública, já que não voltará a ser possível, nos próximos tempos, agregar os milhares de pessoas que estávamos habituados a encontrar nestas iniciativas de grandes dimensões. Começam a surgir modelos alternativos: espetáculos ao ar livre que o público assiste no interior do seu automóvel, ou até a assistência a reservar ordeiramente os dois metros de distância social com máscara colocada.
Independentemente do caminho a seguir, estes grandes eventos culturais que atraíam públicos tão diferentes vão ter necessariamente de diminuir em números estatísticos. E a partir deste novo paradigma como será feita a sua cobertura e análise? Parece-me claro que terá de ser através de um regresso a novas perspetivas: voltar a um pensamento crítico onde cabe uma análise mais aprofundada dos aspetos mais e menos bem-sucedidos.
Ou então, talvez nada disto aconteça e tudo continue como dantes embora com menos impacto, já que não é o mesmo noticiar-se que um festival teve cem mil ou dez mil participantes. Veremos como vão seguir estes novos tempos.
Por Óscar Enrech Casaleiro – Comunicador cultural desde 1997, atento à atualidade desde sempre.
N.R.: Esta crónica tem periodicidade quinzenal e é da inteira responsabilidade do seu autor