Depois de questões técnicas terem obrigado ao cancelamento do concerto do dia 15 de junho, o tão aguardado regresso dos germânicos Kreator a Portugal ficou agendado para a noite de ontem, na Sala Tejo, em Lisboa, estando a abertura de hostilidades a cargo dos portugueses Toxikull e Sacred Sin.
A formação liderada por Mille Petrozza nasceu na cidade de Essen, corria o ano de 1982, e, ao longo de quatro décadas de carreira, tornou-se numa das mais bem-sucedidas e sólidas bandas saídas do movimento thrash, sendo, inclusivamente, considerada uma das “Big Four” do thrash metal germânico. Para além disto, as bandas portuguesas em cartaz, representando gerações distintas do cenário underground nacional, serviam de aliciante-extra, pelo que não era de estranhar que a margem do Tejo se encontrasse vestida de negro, à hora a que se abriram as portas da Sala Tejo.
Toxikull
Tendo editado um álbum em fevereiro e com pouco tempo para tocar, seria de prever que o conjunto de Cascais optasse por dar maior destaque ao novo registo, o que, de facto, viria a acontecer: “Night Shadows” e “Battle Dogs” foram as primeiras malhas que se fizeram ouvir. Depois, “Metal Defender”, canção que integra a compilação Warriors Collection, que inclui singles lançados entre 2020 e 2021, sendo que cada um destes contou com a participação de um convidado especial.
“Olá a todos, outra vez!”, cumprimenta o vocalista Lex Thunder. “É inacreditável que estejamos aqui, novamente!”, continua, referindo-se ao concerto inicialmente previsto para junho. Na altura, os Toxikull conseguiram tocar o seu set, mas problemas técnicos obrigaram ao cancelamento da atuação dos Kreator, obrigando ao reagendamento do espetáculo. “A próxima, dá nome ao novo disco!”, anuncia Thunder. “É sobre nós, que vivemos no sul da Europa.”. E ficamos “Under a Southern Light”, ainda que a noite já tivesse caído.
Seguimos com “Around the World”, mais uma música retirada do Under a Southern Light. Por esta altura, os solos de Michael Blade e a voz de Lex Thunder já haviam tomado de assalto a mente de todos aqueles que não estavam familiarizados com o Heavy/Speed Metal de Toxikull. “Cursed and Punished”, de 2019, foi o último tema tocado pela formação portuguesa.
“Muito obrigado e até à próxima!”, escutamos, no final de uma performance que conquistou a plateia.
Sacred Sin
Depois de sonoridades mais clássicas, é hora de embarcar num ambiente mais pesado e soturno…
Sacred Sin é um nome incontornável do cenário underground lusitano, tendo sido a primeira banda de metal portuguesa a passar na MTV (1993) e a fazer uma digressão europeia (1995).
A nossa viagem pela discografia da formação sintrense começa pelo EP Born Suffer Die, de 2020. Escutamos “Cursed” e “False Deceiver“, não sem que, pelo meio, tivéssemos sido saudados pelo baixista e vocalista José Costa: “Boa noite, Lisboa!!”. Depois, os holofotes viram-se para Tó Pica e soam os acordes iniciais de “Storms Over the Dying World“, malha que dá nome ao mais recente disco da banda, forjado em 2022.
Entretanto, os caminhos sonoros que vamos trilhando conduzem-nos a 1991, ano em que repousam as raízes de Sacred Sin e da sua Promo Tape ’91. “The Chapel of the Lost Souls” é um regresso ao passado muito apreciado por todos aqueles que enchem a Sala Tejo e que viveram a “primavera da vida” naquela época.
“Lisboa, let’s face the Ghoul Plagued Darkness!”, desafia Costa, sob a aprovação da plateia. Seguem-se “Midnight (Tribute to Long Lost Paradise)” e “Eyemgod”, até que desaguamos num dos momentos da noite.
“A próxima é um tema de união, mas vamos pedir a todos para…abrir!!”. Os gestos não deixam enganar: pede-se um “wall of death”. E é ao som de “Vipers (Rise From the Underground)” que os corpos se fundem, num imenso aglomerado.
“Estamos aqui graças a vós!”, agradece José Costa. “O próximo tema chama-se Darkside!”. É um regresso a 1993 e uma das canções mais celebradas. “Obrigado a todos!”, despede-se o vocalista, no final. “Seal of Nine” é a última música que se faz ouvir.
Sob a liderança da voz imperativa de José Costa e da virtuosa guitarra de Tó Pica, os Sacred Sin provaram que, 33 anos depois de terem dados os primeiros passos, continuam a ter grande relevância no cenário nacional e uma legião de fieis seguidores.
Kreator
Um enorme pano negro cobre o palco, nas suas dimensões mais básicas. Altura e largura. No centro, apenas uma palavra. Kreator.
A sala aguarda, ansiosa, pelo regresso dos germânicos a Portugal. Muitos são aqueles cujas expectativas foram defraudadas, quando, em junho, problemas técnicos impediram a atuação do conjunto de Essen. Porém, a hora do reencontro chegou.
Pelos quatro cantos do recinto, ecoa “Run to the Hills”, clássico dos britânicos Iron Maiden. Depois, escuta-se o instrumental “Sergio Corbucci is Dead”, tema de abertura do último disco lançado pelos Kreator, até à data. O pano cai e entram em cena Mille Petrozza e a sua horda. Tocam “Hate Über Alles” e aquilo a que se assiste é um prenúncio do que se passaria na hora e meia seguinte: circle pits, crowdsurfing e uma plateia disposta a gritar, até que a voz lhe doa.
Segue-se “Phobia“. O refrão é cantado em uníssono e, no final, clama-se pela banda, sob o olhar embevecido de Petrozza, que incentiva a audiência. Aos comandos da bateria, Ventor dá o mote e exige palmas a compasso. “Lisboa, we are Kreator! Right now, the time has come to do a wall of death, portuguese style ! Are you ready? Eins, zwei, drei!”. A intro de “Coma of Souls” serve para que o caos se apodere da Sala Tejo , algo que é potencializado pela chegada de “Enemy of God” e “666 – World Divided”, também estas cantadas a uma só voz. Na verdade, chega a ser redundante descrever o que se passa em cada uma das músicas. Banda e público são um só corpo e a sinergia que transpiram é evidente.
“Muito obrigado, Lisboa!”, agradece Petrozza, sob a ovação da Sala Tejo. “It’s great to play with no technical problems!”, confessa, referindo-se ao concerto adiado. Na sequência, “Hordes of Chaos” e “Hail to the Hordes”, quase uma ode à devoção demonstrada pela mole humana que enche o recinto. Depois, o vocalista fala da forte ligação que tem com Portugal, desde 1992, e dos muitos amigos que fez, incluindo os Moonspell.
“We want to celebrate old school thrash metal, tonight!” Ouvimos “Betrayer” e “Satan is Real”, até que chega uma pausa, para respirar: o instrumental “Mars Mantra” é acompanhado pela subida ao palco de dois estranhos alienígenas e permite assentar a poeira levantada. Ainda assim, as palmas não cessam e o regresso dos Kreator é feito ao som de “Phantom Antichrist“, o que promove o retorno à alegre desordem.
Entretanto, “The Strongest of the Strong” é dedicada a Toxikull e Sacred Sin e chega a hora de um dos momentos da noite. Mille Petrozza ergue a bandeira e avisa, sob o delírio da plateia: “It’s time to raise the Flag of Hate!!”. A Sala Tejo não deixa uma gota de suor por gastar. Serve de coro, em “People of the Lie”, e corre, como se a sua vida dependesse disso, em “Terrible Certainty”.
“I want to hear you!”, exige Petrozza. Mas não precisa de grande esforço, para que o seu desejo seja atendido. Depois de novo interlúdio, “Violent Revolution” e “Pleasure to Kill” encerram o espetáculo e mostram que Portugal está com Kreator!
O Tejo acordou gelado. Porém, ao final da noite, as suas águas estavam quentes, temperadas pelo calor do público e da música, que exalaram da sala a que dá nome.