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Um Turbilhão Emocional Chamado Damien Rice

Há concertos que deviam ter um letreiro à entrada: “Perigo: Comoção. Alertam-se todos os corações desamparado, mal-tratados ou sensíveis para a possibilidade de turbulência emocional, capaz de derrubar barreiras de amnésia”. Damien Rice, ontem, no Coliseu dos Recreios, foi arrebatador. Para além do concerto extraordinário, proporcionou uma experiência sensorial única.

Não encontrámos nenhum aviso escrito à entrada. Mas a verdade é que a mensagem passou implícita, no intervalo que antecedeu a atuação de Damien Rice, com a sucessão de canções de Leonard Cohen que se ouviu. Adivinhava-se uma noite intensa, e era importante salvaguardar a integridade dos pulsos. Mas encontrámos também um músico espirituoso com um esgar de humor inteligente e uma capacidade multi-instrumental impressionante.

As luzes baixam à entrada de Damien Rice em palco e é com “My Favourite Faded Fantasy”, o tema que dá o mote ao mais recente álbum, que dá início a cerca de duas horas de concerto. Vislumbramos apenas o recorte da silhueta do músico, em contraluz, à frente de um foco. Não lhe conseguimos ver as feições, mas a voz é única.

O palco tem uma infinidade de instrumentos espalhados, como se estivesse à espera de uma numerosa banda de apoio. A verdade é que Damien Rice atua sozinho, toca vários instrumentos e com recurso a alguma tecnologia, tem momentos em que mais parece ter um conjunto composto por vários elementos em seu redor. Continua com “9 Crimes”, onde já o conseguimos ver, apesar de ser parca a iluminação.

Há um respeito a envolver o Coliseu que faz com que as pessoas sussurrem as músicas, deixando que a voz de Damien Rice sobressaia. Isso é evidente em “Delicate”. Nos intervalos, e aos poucos, vai-se estabelecendo alguma comunicação com o público que aos poucos vai atirando deixas ao músico. Percebe-se que há quem já o tenha visto, em Lisboa, em 2003, na abertura do concerto de Lamb.

O humor cortante salta quando verbaliza o que um homem deve fazer quando se sente atraído por alguém e deixa a plateia em gargalhadas. A conversa conduz a “I remember”, um dos temas de “O” que Damien Rice dividia com Lisa Hannigan.

Há momentos em que se poderia conseguir ouvir o bater asas de uma mosca, e outros em que o volume atinge volumes inacreditáveis. A melancolia de Rice e a intensidade emocional com que se entrega é transversal a todos os temas: “The Great Bastard” e o grande hino “Amy” são deslumbrantes neste cenário.

As bocas vindas da plateia continuam e depois de um bate-papo às escuras, Damien Rice convida mesmo um membro da assistência a subir ao palco e a acompanhá-lo. A situação, aparentemente inesperada, alivia a tenção emocional que se vive e permite descontrair num momento mais alegre de “Color me in”.

Segue-se “Long long way”, que, de acordo com o próprio, permite refletir sobre fazer aquilo com que se sonhou e não deixar para depois.

Se os sentimentos já estavam atordoados, mais estonteados ficaram quando tocou “Cannonball” totalmente às escuras, com um Coliseu mergulhado nas trevas.

“It takes a Lot to Know a Man” é um exemplo da complexidade que o musico, sozinho em palco, consegue atingir, ao trocar repetidamente de instrumentos, deixando-os a tocar, de forma harmoniosa, em eco. O público aplaude efusivamente este génio musical e não o deixa sair prematuramente. Regressa para um encore. “I Don’t Want to Change You” e depois o tema que o colocou debaixo dos holofotes: “Blowers Daughter”. Para o adeus, convida a artista que atuou na primeira parte, Gyda Valtysdottir. Interpretam “Volcano” e deixam-nos a vontade de ali ficar eternamente.

What I am to you is not real
What I am to you you do not need
What I am to you is not what you mean to me
You give me miles and miles of mountains
And I’ll ask for the sea

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