Cornucopia – A Viagem Ao Universo Utópico De Björk

Reportagem de Tânia Fernandes

Björk
Björk

Fomos a um concerto? Não, nos moldes em que habitualmente o projetamos. Björk foi mais além nesta sua digressão Cornucopia. Construiu um novo conceito de espetáculo sensorial. Tem como ponto de partida a música, mas estende-se pela dança, o teatro, e as artes visuais. O que assistimos, esta sexta-feira, na Altice Arena, foi a uma obra prima da arte contemporânea!

Há quem se tenha preparado previamente para esta experiência imersiva e trouxe para a Altice Arena o seu próprio personagem. As imediações do recinto, uma hora antes do início da espetáculo, vibraram de pequenos talentos anónimos. Quase um desfile de cosplay, mas mais original.

O espetáculo não chegou a esgotar, mas a casa estava cheia de admiradores da artista islandesa. A adivinhar pelos cabelos brancos, muitos terão sido fiéis seguidores no início dos anos 90, quando a cantora iniciou a sua carreira a solo, depois do sucesso com os The Sugarcubes.

É certo que o experimentalismo que foi desenvolvendo ao longo da carreira não conseguiu manter todos a par dos trabalhos disruptivos que lançou, mas manteve-se a admiração pelo talento. Esta noite, na Altice Arena, foi o momento de reencontro para admiração de uma performace que é um exemplo perfeito da sua criatividade.

Antes da hora marcada, e interrompendo os sons de fundo “de bosque”, o palco foi ocupado por um número elevado de elementos. Durante cerca de vinte minutos, assistiu-se à atuação do The Hamrahlid Choir, um coro que integrou mais tarde o espetáculo. Nesta abertura, apresentaram-se com trajes típicos e apresentaram músicas tradicionais. A própria artista integrou em tempos este coro e a reverência que lhe prestou depois, durante o espetáculo, prova a forte ligação que mantém.

The Hamrahlid Choir – foto de Santiago Felipe

Lisboa foi a primeira data de uma digressão Europeia que se estende até ao final do ano.
Cornucopia teve estreia em maio de 2019, com 9 datas consecutivas no The Shed, em Nova Iorque. Os ecos do sucesso abriram caminho a uma digressão mundial que já passou pela América do Norte, Oceânia e Ásia.

Cornucopia foi pensado para o álbum Utopia, lançado em 2017. Mas já integra canções do mais recente trabalho Fossora, de 2022.
Traz uma proposta otimista sobre a forma como o mundo pode lidar com as alterações climáticas.

Björk partilha com o público a sua visão pós-apocalíptica do futuro. De como os humanos, as plantas, os pássaros e os outros seres se podem fundir, em novas espécies mutantes.

Abriu o concerto com “The Gate” e ficou aberto o portal para o seu universo mágico.
Tivemos, ao longo do concerto, um conjunto de sonoridades de fusão entre os sons da natureza e as tecnologias digitais. Um espaço de harmonia entre cantos de pássaros, sintetizadores e flautas.

Este espetáculo foi dirigido pela cineasta argentina Lucrecia Martel. Desenvolveu um conceito de projeção inovador sobre uma “cortina” de cordas que se soprepôe aos músicos, dando amplitude às animações digitais de Tobias Gremmler.

O público manteve-se em silêncio absoluto durante todas as músicas. Numa postura de admiração e espanto perante o impacto dos efeitos visuais. Ninguém cantou refrões, Björk não pediu a ninguém para a acompanhar. No final de cada tema, a Altice Arena explodiu de emoção, com aplausos que se tornaram cada vez mais intensos ao longo da atuação.

A cenografia ficou a cargo de Chiara Stephenson, que colocou os músicos num palco multi-nivelado, como se estivessem a poisar em cogumelos. Destaque para o septeto de flautas – Viibra – que teve lugar de destaque ao longo da noite.

O guarda roupa, tão excêntrico quanto enquadrado no tema, foi da responsabilidade de Noir Kei Ninomiya, Sarah Regensburger, James Merry, Olivier Rousteing (da Balmain) e  Iris van Herpen.

O espetáculo integra uma câmara de reverberação personalizada, qual caixa de pandora, onde por duas vezes Björk entrou e cantou a cappella. Clarinetes, uma harpa e instrumentos de percussão complementam esta orquestra que conseguiu, ao longo do concerto, um equilibrio perfeito entre a acústica e a eletrónica.

Associada à musica há uma mensagem permanente ligada à sustentabilidade, que chega mesmo a surgir escrita, projetada na “tela” que se sobrepõe aos artistas. “Imagine a future. Be in it”.
Sobressai, de todo este momento musical, uma vontade de encontrar uma nova forma de estar, neste mundo global.
Como orientação, assistimos, mais tarde, a um apelo direto feito pela jovem ativista sueca Greta Thunberg. À data da gravação, com 16 anos, exigia uma atitude responsável dos adultos. A semente do ativismo político, com o qual Björk também sempre conviveu.

Já na reta final do concerto, em encore, surgem as primeiras palavras da cantora, que acrescentou aos muitos “obrigado” um “Obrigado por terem sido pacientes”.

Seguiu-se “Future Forever” e nos ecrãs a projeção de um ser de luz, que se formou ao longo do espetáculo, depois de intensas sessões de metamorfose. Uma batida forte, na fronteira da eletronica, marcou o ritmo e em alguns pontos do recinto, a dança tomou conta dos corpos.

Depois dos intensos aplausos, o público foi acendendo as luzes dos telemóveis, acabando por iluminar todo o recinto. “This is so beautifull” ouvimos Björk comentar emocionada, com a voz a tremer.
Apresentou a banda e quase como quem pede desculpa avisa que só têm mais uma música. “Notget” fechou quase duas horas de um espetáculo único de música, arte e efeitos digitais.

O talento de Björk foi além na música, neste espetáculo Cornucopia. Trouxe uma nova visão do mundo, repleta de magia, apresentada com grande intensidade.

Fotos de Santiago Felipe.

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