Crónica: Cultura Para Todos

Nº 32: Para Que Serve A Burocracia Cultural?

Se recuarmos até à burocracia que existia nos anos 1980 lembramo-nos dos papéis azuis de 35 linhas repletos de selos e carimbos, das passagens intermináveis pela fronteira para ir simplesmente a Badajoz, do tempo em que andávamos com 4 cartões de serviços públicos na carteira, e de vários documentos que tínhamos de preencher para conseguir alguma coisa de um serviço público. Nada que se compare com o que acontece agora com as Lojas do Cidadão, os sites institucionais e o suporte digital a ser adotado na maioria dos processos administrativos,. Tudo é muito mais fácil, verdade?

Nem por isso. A diminuição de papel foi substituída por uma informação institucional complexa, a centralização de serviços  não resultou numa maior efácia, e os regulamentos e certificados para candidaturas a apoios têm excesso de informação e muitas vezes de difícil interpretação. E porquê? Porque a burocracia é um elemento cultural da identidade portuguesa que permite a alguns dos que ocupam cargos de chefia ou de direção em serviços públicos concentrar o seu pequeno poder, ter a última palavra a dizer. Se refletirmos sobre o modo de trabalhar das profissões criativas e artísticas, seja no cinema, na criação literária ou na publicidade, percebemos como essa burocracia que ainda subsiste na administração pública é constrangedora e redutora para a atividade cultural.

Neste momento devem estar a pensar: “Realmente é verdade que a burocracia ainda é muito forte em Portugal, mas como podemos lidar com a irritação, impaciência e perda de tempo que esta burocracia nos provoca?” Confesso, caros leitores, que não tenho a receita para esse problema nem tenho alma de gurú de auto-ajuda. No entanto aconselho a descoberta de livros e filmes que tratem a burocracia. O filme Gattaca, com o seu espírito distópico, pode ser um excelente antídoto depois de entregar uma candidatura a uma bolsa de criação literária, e que dizer do clássico de Franz Kafka O Processo depois de uma ida a uma Loja do Cidadão?

Nada disto resolve a burocracia que nos ataca, mas, pelo menos, deixa-nos um pouco mais serenos ao descobrirmos a forma como muitos artistas retratam a burocracia de forma crítica.

Por Óscar Enrech Casaleiro – Comunicador cultural desde 1997, atento à atualidade desde sempre.

N.R.: Esta crónica tem periodicidade quinzenal e é da inteira responsabilidade do seu autor

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